sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Brasil será investigado em órgão internacional por caso Herzog

Vladimir Herzog em 1966.

Patrícia Brito, via Folha de S.Paulo

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) vai investigar a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de Vladimir Herzog, em 1975, durante a ditadura militar (1964-1985).

O caso foi admitido pelo órgão internacional em novembro do ano passado e divulgado na terça-feira, dia 22, pela família de Herzog. Segundo a denúncia, o Brasil ainda não cumpriu com seu dever de investigar, processar e punir os responsáveis pela morte de Vlado, como o jornalista era conhecido.

A denúncia foi apresentada em 2009 por entidades ligadas aos direitos humanos, como o Cejil (Centro pela Justiça e o Direito Internacional), a FIDDH (Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos), o Grupo Tortura Nunca Mais e o Instituto Vladimir Herzog.

“O caso Herzog ilustra a omissão do Judiciário brasileiro durante a ditadura militar e também na democracia, na realização de justiça nos crimes da ditadura cometidos pelos agentes públicos e privados”, disse Viviana Krsticevic, diretora-executiva da Cejil, baseada em Washington (EUA) e que veio ao Brasil na terça-feira, dia 22, para anunciar o acolhimento da denúncia.

Vlado morreu após ser torturado no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna), em São Paulo. Na época, a versão do Exército para a morte foi a de suicídio, mas no ano passado a Justiça determinou a correção de seu atestado de óbito, para fazer constar que a morte decorreu de “lesões e maus tratos”.

A expectativa é que o processo seja concluído em até um ano, quando a comissão deverá apresentar um relatório com recomendações ao governo brasileiro. Caso as recomendações não sejam cumpridas, o caso poderá ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, também ligada à OEA.
“A gente quer saber quem são os responsáveis pelo que aconteceu a meu pai”, disse Ivo Herzog, filho do jornalista e diretor do Instituto Vladimir Herzog.

A verdade, segundo o Estado

“A lei diz que não há sigilo para nós”, explica a advogada Rosa Cardoso, que conta como é o cotidiano da Comissão Nacional da Verdade

Cristina Romanelli
16/1/2013
  • Na reportagem “A hora da verdade”, publicada na edição de dezembro, a Revista de História debateu as funções e os objetivos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada em maio de 2012 para examinar e esclarecer os crimes contra os direitos humanos praticados entre 1964 e 1988. Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada e professora da UFF, é um dos sete membros convocados pela presidente Dilma Roussef para cumprir essa difícil tarefa no período de dois anos. Rosa atuou em defesa de presos políticos entre os anos 1960 e 1970, e é doutora em Ciências Políticas pelo Iuperj. Em entrevista à RHBN, ela fala sobre os desafios que a CNV vem enfrentando e sobre a polêmica dos documentos supostamente destruídos pelas Forças Armadas.

    Revista de História:Qual é o objetivo prático da CNV?
    Rosa Cardoso:Vamos contar essa história pela voz do Estado, e por isso ela deve ser muito medida, muito pensada. Mas não podemos prever os usos que serão dados ao material que produziremos e às verdades que enunciaremos. De qualquer forma, essa história tem um valor próprio, porque para as vítimas, é muito importante que a história que elas contem seja assumida como uma verdade. O objetivo principal da Comissão é esclarecer esses fatos pela voz do Estado, dizer o que o Estado considerou verdadeiro e enunciar para a sociedade brasileira.

    RH:E você acredita que em dois anos será possível fazer uma investigação profunda?
    RC:Vamos fazer um trabalho de um determinado tipo e nível. Se tivéssemos quatro anos, faríamos outro, com certeza. Com um nível mais detalhado, talvez. Mas eu acho que é possível sim fazer em dois anos. Alguns países fizeram em menos tempo.

    RH:Como os membros da Comissão dividem o tempo entre os compromissos pessoais e os da CNV?
    RC:Temos dias dedicados com exclusividade à CNV. Eu, particularmente, tento me dedicar à Comissão de sábado à metade da quarta-feira. Nos outros dias fico no escritório, mas também atendo coisas da Comissão. Se eu tivesse essa carga de trabalho por muitos anos, eu talvez não resistisse, seria excessivo. Mas como é um período definido, eu encaro como um desafio.

    RH:Qual metodologia está sendo utilizada para decidir os casos a serem investigados pela CNV?
    RC:Ainda estamos escolhendo a metodologia. Tivemos um tempo para criar alianças institucionais, reconhecer os locais onde buscaríamos informações, nomear equipes e organizar o trabalho com vítimas e familiares. É um trabalho muito denso, e diário. Temos outros compromissos profissionais, mas esta é a prioridade.

    RH:Então vocês não vieram com diretrizes pré-definidas?
    RC:Não. Somos pessoas de formações diferentes, tentamos alocar a responsabilidade dos grupos de trabalho a pessoas que achamos que tinham formação correspondente...

    RH:E essa escolha dos grupos de trabalho foi feita antes do início da CNV?
    RC:Não, o trabalho começou a partir da instalação da comissão. A presidenta [Dilma Roussef] nos convidou uma semana antes. Não teve conversa ou organização prévia.

    RH:Então enquanto vocês já têm que estar descobrindo novas informações, ainda estão definindo o que querem investigar e que caminho seguir?
    RC:Exatamente. Mas como temos um legado de outras comissões da verdade, tivemos vários contatos com organismos internacionais e também com pessoas que participaram dessas outras comissões. Encontramos ex-membros das comissões do Peru, da Argentina, do Paraguai, da Guatemala... Eles vieram explicar dificuldades, desafios, tipos de trabalhos que fizeram, como se relacionaram com a sociedade civil, como as audiências eram feitas...

    RH:Aqui no Brasil também há outras comissões da verdade acontecendo. Como está sendo a articulação da CNV com elas?
    RC:Fazemos reuniões com comissões de verdade criadas por organismos da sociedade civil - como OAB, ABI, sindicatos - e também por governos estaduais, como Rio Grande do Sul e Pernambuco. Nós fazemos termos de cooperação, e eles mandam seus trabalhos pra gente. Assim evitamos fazer o mesmo trabalho duas vezes.

    RH:Os membros da CNV estão divididos em diversas subcomissões e grupos de trabalho. Como estão se articulando?
    RC:Cada grupo de trabalho tem um membro da comissão que é responsável, mas nós nos encontramos regularmente. Temos uma reunião ordinária toda semana em Brasília, onde trocamos informações, tomamos decisões... Uma questão candente que se criou, por exemplo, foi o problema de arquivos [das Forças Armadas]que foram destruídos. Tivemos que questionar o Ministério da Defesa sobre os documentos, e depois afirmamos que consideramos a destruição de documentos um crime.

    RH:A CNV tem poder para exigir que os documentos sejam entregues pelas Forças Armadas, ou para punir os responsáveis pela destruição?
    RC:Nós temos o poder de exigir, porque a lei diz que não há sigilo para nós. Mas se nos respondem que os documentos foram destruídos...

    RH:Se os documentos foram realmente destruídos, o que pode ser feito?
    RC:Não existia legislação que permitisse a destruição dessa documentação, mas não necessariamente o militar que destruiu esses documentos cometeu um crime. No direito penal há diversas causas pelas quais um crime pode ser cometido, como legítima defesa e obediência estrita de uma ordem. O erro, em determinados casos, pode excluir a culpabilidade e, portanto, não há crime.

    RH:Você diz que não existia legislação que permitisse a destruição de documentos, mas o Ministério da Defesa afirmou que na época isso podia ser feito. Tanto que o registro da destruição desses documentos também foi destruído.
    RC:É, eles respondem assim. Eu acho que essa questão tem que envolver punições, sanções. Mas temos que mandar esse caso para o Ministério Público Federal, porque a CNV não tem poderes jurisdicionais.

    RH:A CNV tampouco pode obrigar os militares a darem depoimento, certo?
    RC:Sim, e são poucas pessoas que querem falar. Algumas já falaram em reportagens... Mas vamos continuar aguardando e procurando. Não estamos centrando nosso trabalho nos depoimentos. Não achamos que a CNV vá emular as pessoas que participaram ativamente da repressão a contar os crimes que praticaram.
     
    RH:Ao mesmo tempo, a coleta de depoimentos de ex-militantes e familiares tampouco deve trazer novidades, já que a maioria deles vem falando sobre o assunto nos últimos anos.
    RC:A Maria Rita Kehl [membro da CNV] está trabalhando com morte e repressão no campo, e com populações indígenas. Ela está procurando o interesse de quem quer falar. Mas não temos procurado ex-militantes e pessoas de esquerda, porque falar é viver outra vez uma dor. Não podemos pedir isso a mais ninguém. Nós só acolhemos pessoas que nos procuram para falar.
     
    RH:Esses depoimentos serão liberados aos poucos?
    RC:Vamos liberar no final. Já é um prazo tão curto, né. Agora talvez façamos um balanço de trabalho... Mas no final de tudo produziremos um relatório em livro e outras mídias, como DVD, internet e talvez algo com linguagem para jovens.

    RH:O material colhido será disponibilizado integralmente?
    RC:Os depoimentos são gravados e anotados, e todo o material vai para o Arquivo Nacional. Mas no relatório final e nos anexos não vai entrar necessariamente tudo.

    Saiba mais:
    Comissão Nacional da Verdade: http://www.cnv.gov.br
    CNV no Facebook: http://www.facebook.com/comissaonacionaldaverdade
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