sábado, 20 de abril de 2013

Documento que mostra extermínio de índios é achado após 45 anos





Desaparecido há 45 anos, o Relatório Figueiredo - um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século - foi encontrado recentemente no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais. O texto redigido pelo então procurador Jader de Figueiredo Correia traz denúncias de caçadas humanas promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões, inoculações propositais de varíola em povoados isolados e doações de açúcar misturado a esctricnina. Agora, o relatório pode se tornar um trunfo para a Comissão da Verdade, que apura violações de direitos humanos cometidas entre 1946 e 1988. As informações foram publicadas no jornal Estado de Minas



A investigação, feita em 1967, em plena ditadura, a pedido do então ministro do Interior, Albuquerque Lima, tendo como base comissões parlamentares de inquérito de 1962 e 1963 e denúncias posteriores de deputados, foi o resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas. Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos mais que lhes foram relatados pelos índios, se chocaram com a crueldade e bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado da possibilidade de fazer justiça nos anos seguintes. 

Albuquerque Lima chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do SPI e a suspensão de 17, mas, posteriormente, muitas delas foram inocentadas pela Justiça. Funcionários que haviam participado do trabalho foram exonerados. Quem não foi demitido foi trocado de função, numa tentativa de esconder o acontecido. Em 13 de dezembro do mesmo ano o governo militar baixou o Ato Institucional nº 5, restringindo liberdades civis e tornando o regime autoritário mais rígido.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Golpe de Estado na Guatemala em 1954

wikipedia



Mapa da Guatemala
 
 
O golpe de estado que abalou a Guatemala em 1954 foi uma operação denominada PBSUCESS organizada pela CIA para derrubar Jacobo Arbenz Guzmán, o presidente democraticamente eleito da Guatemala.

O governo Arbenz introduziu uma série de reformas que a inteligência americana considerou como atribuídos aos comunistas e de influência soviética, como a apreensão e expropriação de terras não utilizadas que corporações privadas retiradas há muito tempo, e distribuição dessas terras para camponeses. Este foi o primeiro golpe de estado promovido pela CIA na América latina.[1][2]


Isso fomentou o receio nos EUA de que a Guatemala se tornaria o que Allen Dulles chamou de "uma praia Soviética na América" (uma posição inimiga para a invasão). Esta situação criou um impacto na CIA e na administração Eisenhower durante a época do Macartismo. O Presidente Arbenz promulgou essencialmente uma reforma agrária que antagonizava a multinacional norte-americana United Fruit Company, com interesses oligarquicos e influências na Guatemala, através de "lobbyings" nos EUA.

A operação, que durou apenas a partir de finais de 1953-1954, foi planejada para armar e treinar para um "exército de libertação" assumir o país, com cerca de 400 rebeldes sob o comando de um oficial exilado do exército guatemalteco o coronel Carlos Castillo Armas com uma coordenação ardil do complexo diplomático, económico e propaganda em grande parte experimental. A invasão foi precedida de um plano desde 1951, chamado PBFORTUNE para financiar e fornecer armas e suprimentos para as forças opostas ao presidente. Após a invasão a Operação PBHISTORY, a fim de dedicar-se à recolha de documentos para incriminar o governo Arbenz de fantoche comunista.

Ao longo das próximas quatro décadas após a derrubada de Arbenz, a sucessão de governantes militares iria criar uma guerra de contra-insurgência, que desestabilizou a sociedade guatemalteca. A violência causou a morte e o desaparecimento de mais de 140.000 guatemaltecos, e alguns ativistas dos direitos humanos, coloca o número de mortes tão elevado como 250.000. Em etapas posteriores deste conflito a CIA tentou, com algum sucesso reduzir as violações dos direitos humanos e parou um golpe em 1993 e ajudou a restaurar o regime democrático.

 

Referências

  1. (em português) Espaço acadêmico - A CIA e a técnica do golpe de Estado. Artigo de Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira. Site acessado em 3 de Dezembro de 2010.
  2. (em português) PUCSP - O primeiro grande êxito da C.I.A. na América Latina. Acessado em 3 de Dezembro de 2010.

Guatemala. “Uma criança de sete anos foi violada por tantos soldados que acabou morrendo”



unisinos

Mesmo em uma sociedade endurecida pela violência como a guatemalteca, os testemunhos das mulheres da etnia Ixil, vítimas de violações em massa durante as incursões militares nas comunidades camponesas, comoveram, nesta terça-feira, todo o país, em uma nova sessão horripilante do julgamento do genocídio contra o ex-ditador Efraín Ríos Montt. Por respeito à dignidade das vítimas, a juíza Jazmín Barrios, que preside o julgamento pelas atrocidades cometidas entre 1982 e 1983, pediu à imprensa para não revelar os nomes destas mulheres, que recordaram diante da justiça o horror vivido há três décadas.

A reportagem é de José Elías e publicada no jornal espanhol El País, 02-04-2013. A tradução é do Cepat.

A primeira a declarar narrou que tudo começou quando quatro soldados bateram à porta da sua humilde casinha. Entraram à força quando entreabriu a porta. “A primeira coisa que perguntaram foi se dávamos comida aos guerrilheiros. Respondi que sequer os conhecia”, disse a testemunha. “Na casa estava a minha filha, de 17 anos, e dois de seus irmãos menores. Os soldados a desnudaram, abriram à força suas pernas e começaram a violentá-la, na presença das crianças, que choravam de medo”.

Com a voz estremecida, esta mulher relatou que, quando quis ajudar sua filha, um dos soldados lhe deu uma coronhada na boca do estômago e outra na cara. A força do golpe, acrescentou, a fez cair. Perdeu um olho. Acrescentou que sua filha foi violentada pelos quatro na cama do casal. A perguntas da defesa, acrescentou que não conseguiria reconhecer os algozes, mas que tem a certeza de que eram soldados. Em meio à agressão, as crianças puderam fugir e procurar refúgio nas montanhas.

Outra testemunha disse que um grupo de soldados chegou até sua casa em torno das 21h. Levaram-na a um lugar descampado, onde a violentaram e a deixaram abandonada, nua. Acrescentou que nessa época tinha um bebê de 30 dias, que morreu calcinado quando os militares atearam fogo na sua casa. “Nem sequer pude enterrá-lo, porque a casa estava em cinzas e eu estava com muito medo”, acrescentou.

Estes fatos se repetiram contra a população camponesa em todas as zonas nas quais o Exército suspeitava da existência de acampamentos guerrilheiros e aplicava a doutrina da terra arrasada. As violações, segundo o relatório Recuperação da Memória Histórica (Remhi), da Conferência Episcopal Guatemalteca, “incluem a morte. Foram utilizadas como instrumento de tortura a escravidão sexual, com a violação reiterada da vítima”. As estatísticas assinalam que os casos de violência sexual contra mulheres se deram em um de cada seis casos nos massacres perpetrados pelos soldados ou pelos paramilitares Patrulhas de Autodefesa Civil (PAC), voluntários utilizados como espiões e delatores de seus vizinhos.

Embora existam denúncias documentadas de 149 vítimas, acredita-se que houve bem mais, dados fatores como os sentimentos de culpa e de vergonha que acompanham estes crimes. Uma das mulheres que testemunharam pediu à juíza Jasmán Barrios que sua identidade não fosse revelada, porque nem sua família nem seu atual esposo sabiam que havia sido violentada.

Os testemunhos, muitos deles já recolhidos no relatório da Comissão de Esclarecimento Histórico, patrocinada pela ONU, ou no Remhi do bispo Juan Gerardi, adquirem uma nova dimensão quando cobram vida em mulheres que agora estão entre os 50 e os 60 anos, mas que naquela época eram apenas adolescentes.

“Se tens marido, então entre cinco e dez soldados te violentam. Se és solteira, então são 15 ou 20”, disse uma. “Meu tio ia por um caminho com sua filha e uma neta quando se depararam com uma patrulha militar. Conseguiram pegar as mulheres. A menina, de sete anos, a mataram, porque foram muitos os soldados que passaram sobre ela”.

Os requintes de crueldade deixam, literalmente, os cabelos em pé. “Alguns soldados estavam com sífilis ou gonorreia. A ordem foi que estes ficariam por último, quando os saudáveis já haviam violentado a vítima”. A isto é preciso acrescentar as gravidezes não desejadas. Todos os testemunhos concordam em assinalar os autores como membros do Exército ou das PAC.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Comissão da Verdade recebe denúncia para investigar atuação de Roberto Marinho durante a ditadura

quarta-feira, 3 de abril de 2013

saraiva 

 De Carlos Newton, na Tribuna da Imprensa, ontem:

A denúncia do ex-deputado paulista Afanasio Jazadji sobre irregularidades cometidas por Roberto Marinho durante o regime militar, encaminhada inicialmente a Presidência da República, já foi recebida pela Comissão Nacional da Verdade.

O requerimento do ex-parlamentar foi acompanhado de diversos anexos, inclusive o depoimento do ex-deputado Carlos Araújo, ex-marido da presidente Dilma Rousseff, que sugeriu à Comissão da Verdade que apurasse também os atos praticados por empresários que apoiaram a ditadura e por ela foram beneficiados.

(...)
Quando o chamado ciclo militar da Revolução de 1964 estava realmente chegando ao fim, devido à convocação da eleição indireta para eleger o primeiro presidente civil em 15 de janeiro de 1985,  o jornalista Roberto Marinho, dono das Organizações Globo, fez questão de publicar um revelador editorial de página inteira em seu jornal O Globo, do Rio de Janeiro, enaltecendo o regime militar e fazendo uma clara advertência àqueles que participavam do histórico movimento pela redemocratização do Brasil, como se fosse possível uma recaída ditatorial.

É claro esse apoio à ditadura e essa deliberada omissão em sua atividade jornalística renderam grandes benefícios a Roberto Marinho, em especial, a transferência ilegal da concessão do canal 5 de São Paulo (TV Paulista), obtida por ele mediante crimes societários até confessados em juízo pelos próprios advogados da TV Globo, quando já estavam prescritos, é claro.

Depois de 12 anos de funcionamento irregular, de 1965 a 1977, com a concessão ainda em nome dos legítimos controladores da TV Paulista, as autoridades do regime militar fecharam os olhos e aceitaram como legal uma Assembleia Geral Extraordinária totalmente irregular, presidida pelo próprio Roberto Marinho e com o claro objetivo de excluir da sociedade os seus 673 acionistas fundadores, como registrado em ata fraudada, mas aceita pelo regime militar como boa, normal. [íntegra aqui]

 

 

O estopim do golpe?

revistadehistoria

‘Festa’ de marujos com direito a apoio às Reformas de Base, em 25 de março de 1964, teria contribuído para a deposição do presidente João Goulart, dias depois

Anderson da Silva Almeida

Correio da Manhã de 27 de Março de 1964


Era dia 25 de março de 1964. Reunidos no Sindicato dos Metalúrgicos da Guanabara, mais de 1,5 mil marinheiros e fuzileiros navais pretendiam comemorar os dois anos da fundação de sua Associação. Mas o clima não era agradável. Um dia antes, os jornais já noticiavam que parte da diretoria seria presa em virtude de terem se manifestado contra o ministro da Marinha, almirante Sylvio Motta, na semana anterior. Entre os dirigentes procurados, estavam o marinheiro José Anselmo dos Santos – presidente da Associação; o cabo Marcos Antônio da Silva Lima – vice-presidente; e o também marinheiro Antônio Duarte dos Santos – presidente do Conselho Deliberativo. Entre os que já estavam presos, o segundo vice-presidente Avelino Capitani e José Duarte dos Santos, que no período após o golpe de 1º de abril de 1964, iriam se tornar importantes quadros da esquerda armada no Brasil.

Naquele dia de março, já havia se passado 54 anos da Revolta da Chibata; e os marinheiros brasileiros não sofriam mais castigos corporais de seus superiores.

O nível de escolaridade havia melhorado, as formas de admissão já não eram tão desastrosas e a Marinha de Guerra continuava o processo de profissionalização de seu pessoal. Em 1960, cinco Escolas de Aprendizes-Marinheiros, situadas nos estados de Pernambuco, Ceará, Bahia, Santa Catarina e Espírito Santo funcionavam como núcleos de formação dos marinheiros brasileiros. Outros, não oriundos destas escolas, ingressavam através do recrutamento ou como soldados Fuzileiros Navais, recebendo formação em diferentes centros espalhados pelo país, sendo o Rio de Janeiro o principal deles. No entanto, novos problemas que envolviam a questão da cidadania dos marujos surgiram e, mais uma vez, como na canção de João Bosco e Aldir Blanc, “o Dragão do Mar reapareceu”! [Sobre a Revolta de 1910, ver RHBN, edições 9, 44 e 53].


Cabo Anselmo
O “cabo” Anselmo – que na realidade tinha a graduação de marinheiro -, por exemplo, foi preso após o golpe de 1964, depois de ter deixado o asilo na embaixada mexicana. Em 1966, conseguiu fugir da prisão com a ajuda de militantes da esquerda armada e foi enviado a Cuba para treinamento guerrilheiro. Ao regressar ao Brasil no ano de 1970, passou a agir como agente duplo e levou dezenas de militantes para a morte, inclusive sua companheira, a paraguaia Soledad Barret Viedma, que estava grávida.

As questões disciplinares foram alguns dos aspectos que contribuíram para exaltar os ânimos e consolidou a posição do alto escalão da Marinha de não reconhecer a entidade que representava a base da pirâmide hierárquica da instituição. Desde a fundação a Associação de Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), em 25 de março de 1962, seus dirigentes tentavam o reconhecimento oficial da Marinha, o que possibilitaria, entre outras coisas, que as mensalidades dos sócios fossem descontadas diretamente no contracheque dos associados. Em virtude da conjuntura política brasileira, cujos ânimos acirraram-se pelo menos desde a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, o ambiente nos quartéis também foi contaminado. A aparição dos marujos na cena política - em eventos de sindicatos, em apoio a sargentos eleitos para cargos políticos e em manifestações em prol de João Goulart - não era aceita pela Marinha, pois só os almirantes tinham o monopólio da palavra e podiam expressar suas opiniões de caráter político.

No espaço interno, a AMFNB cresceu assustadoramente e em pouco menos de dois anos já contava com cerca de 15 mil sócios. Seus dirigentes organizaram serviços de atendimentos médicos para as companheiras - visto que não podiam casar oficialmente e suas esposas não eram reconhecidas pela Marinha como tais; criaram o jornal A Tribuna do Mar; conseguiram um programa na importante Rádio Mayrink Veiga; obtiveram o reconhecimento de utilidade pública estadual; firmaram convênios com o ministério da Educação para aquisição de material didático; articularam apoio e passaram a utilizar espaços cedidos pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Na mesma proporção do prestígio, as reivindicações frente à Marinha também foram ampliadas. Passaram a requerer melhorias nas condições de vida a bordo dos navios e quartéis, incluindo alimentação e alojamentos; direito de andar à paisana em suas folgas; autorização para estudar e casar; reformas no plano de carreira e conquista da estabilidade aos dez anos de profissão. Em relação aos aspectos políticos reivindicavam o direito de votar para cargos políticos. Queriam, sem dúvida, ser considerados cidadãos.


No dia da assembleia comemorativa, ou dia da festa, uma presença chamou a atenção da imprensa: João Cândido Felisberto. Importante liderança dos marujos revoltosos de 1910, João Cândido foi descoberto pelos marujos de 1964 morando em condições precárias na região de São João de Meriti, no Rio de Janeiro, e passou a ser tratado como herói pelos membros da AMFNB, inclusive recebendo uma ajuda mensal da instituição. Em 25 de março de 1964, João Cândido foi o convidado de honra. Também estiveram presentes no encontro o deputado Max da Costa Santos – representando o presidente da República; os membros do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) Hércules Corrêa e Dante Pelacani; o deputado sargento Garcia Filho e representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE).


Apoio às reformas de base
O fato de parte da diretoria estar presa ajudou a acirrar ainda mais os ânimos dos presentes. O presidente da Associação, José Anselmo, destacou em seu longo discurso o apoio às Reformas de Base do governo Jango. O cabo Cláudio Ribeiro propôs que os marinheiros se apresentassem presos e ficassem nessa condição até que seus companheiros fossem soltos e a AMFNB reconhecida pela Marinha. A proposta foi aceita e a festa ganhou ares de rebelião. Após intervenção do marinheiro Otacílio, decidiram permanecer no sindicato, pois a maioria morava nos navios e não teria onde ficar com segurança.

Ao tomar conhecimento da decisão dos marinheiros, o ministro da Marinha decretou Regime de Prontidão Rigorosa, situação na qual todos os militares deveriam se apresentar em suas Organizações Militares. Como não foi atendido, determinou ao almirante Cândido da Costa Aragão, Comandante-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais, que enviasse uma tropa para prender os rebelados. Aragão não conseguiu cumprir a ordem, pediu exoneração e foi seguido pelo também almirante fuzileiro Washington Frazão Braga. Assumiu a missão Luís Phelippe Sinay que se dirigiu com cerca de 90 fuzileiros navais para a sede do sindicato na manhã do dia 26. Para a surpresa de todos, ao ouvir apelos dos colegas “entrincheirados” que emocionados cantaram o Hino Nacional Brasileiro, parte da tropa arriou suas metralhadoras na calçada e aderiu ao movimento rebelde.

Lá dentro, explosão de euforia, lágrimas e abraços. A essa altura, populares e familiares ofereciam apoio moral e material aos rebeldes, cedendo comida, cigarros e jornais, que naquele dia já noticiavam: “Marinheiros realizam sua reunião e quarenta vão ser presos” (Jornal do Brasil, 26/03/1964, capa e p. 05); “Marinheiros e Fuzileiros realizam reunião agitada” (Correio da Manhã, 26/03/1964, p.02); “Marinheiros e fuzileiros vão se apresentar presos se não forem libertados seus colegas” (O Globo, 26/03/1964, p.11).

Após a adesão dos fuzileiros, o ministro Motta pediu ajuda do Exército, recebendo apoio de nove caminhões e 12 tanques de guerra para cercar todo o quarteirão da Rua Ana Nery. Com o risco da invasão e a possibilidade de mortes iminente, Jango resolveu voltar de sua folga no Rio Grande do Sul e assumir as negociações. Na manhã do dia 27, mais um episódio causaria comoção geral na marujada. O marinheiro Alcides chegou todo molhado e informou que colegas tinham sido atingidos por tiros no Arsenal de Marinha da Praça Mauá, quando tentavam se dirigir ao sindicato. À tarde Jango tomou a decisão de substituir o ministro Sylvio Motta pelo almirante da reserva Paulo Mário da Cunha Rodrigues. Os marujos comemoraram em liberdade, chegando a erguer nos ombros o almirante Aragão em agradecimento por sua recusa em reprimir violentamente o movimento. Tentando apaziguar os ânimos, o novo ministro, com o aval de Jango, optou por não punir os rebeldes, alegando que “teria que começar pelos almirantes”.

A “anistia” dada aos marujos levou militares indecisos, a grande imprensa e setores da sociedade a pregar abertamente o golpe contra João Goulart. Os marinheiros e fuzileiros que criaram, organizaram e consolidaram a Associação teriam que conviver durante muitos anos com o estigma de provocadores do Golpe ludibriados por um suposto agente infiltrado na AMFNB, que seria ninguém menos que o presidente José Anselmo, vulgo “cabo” Anselmo. Vários marinheiros que se destacaram como lideranças no período, foram expulsos e condenados a vários anos de prisão. Outros, que tiveram atuações destacadas nas organizações das esquerdas armada, a exemplo de Avelino Capitani, Marcos Antônio da Silva Lima, Cláudio de Souza Ribeiro e José Raimundo da Costa, tiveram suas trajetórias silenciadas e apagadas da história recente do Brasil.




Anderson da Silva Almeida é autor de Todo o leme a bombordo – marinheiros e ditadura civil-militar no Brasil: da Rebelião de 1964 à Anistia. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2012. prêmio Memórias Reveladas, 2010.


A vez dos militares da reserva


revistadehistoria

Comissão Nacional da Verdade vai convocar para depor coronéis Ustra e Curió. Ambos são acusados de terem sido mandantes de crimes de tortura durante a ditadura civil-militar

Aline Salgado


Especial Guerrilheiros - Com o poder de convocar quem achar necessário para depor, delegado pela própria Presidente da República, a Comissão Nacional da Verdade prevê chamar para depor os dois principais militares que dirigiram a caça aos opositores políticos durante o Regime Militar. Hoje coronéis da reserva, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, são apontados como mandantes de assassinatos e crimes de tortura durante a ditadura civil-militar.

Psicanalista e membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Maria Rita Kehl esclarece que se os militares convocados não comparecerem à chamada, serão processados por crime de desobediência. "Até agora, ninguém se recusou a depor na comissão, mas também, até agora, não chegamos no Major Curió e no Ustra. Não testamos o nosso poder até às últimas consequências", afirma Kehl, que faz questão de destacar que a comissão não "trará ninguém amarrado para depor".

Para familiares dos desaparecidos políticos e integrantes do Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), que procura as ossadas dos guerrilheiros em meio à Floresta Amazônica, os depoimentos dos coronéis da reserva poderiam ajudar a revelar onde foram enterrados ou depositados os restos mortais dos militantes políticos.

"Seria formidável que um novo pacto civilizatório fosse fechado e que esses militares da reserva viessem à Comissão Nacional da Verdade e à Justiça Federal e dessem suas posições. É o mínimo que esperamos", afirma Gilles Gomes, coordenador-Geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.


Já a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer mais. Busca a punição daqueles que são apontados como principais torturadores do regime. "A Justiça de Transição, do regime de exceção para o regime democrático, está estruturada sobre três requisitos:  reparação às vítimas; direito à memória e à verdade; e punição aos agentes de Estado que cometeram crimes contra a humanidade. O Brasil cumpriu com a indenização, por meio da Comissão da Anistia; está cumprindo com a memória e verdade por meio da Comissão da Verdade;  mas ainda não cumpriu e nem cumpre com a punição ao agentes de estado que violaram os direitos humanos. É preciso punir  e exigir que eles revelem onde estão dos corpos dos desaparecidos", avalia Cezar Britto, presidente da Comissão Especial da Verdade do Conselho Federal da OAB.

Para garantir que o país cumpra com todos os requisitos da chamada Justiça de Transição, a Ordem acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) com um embargo de declaração, pedindo a revisão do posicionamento da Corte que absolveu os militares, considerando-os anistiados pela Lei de 79.  Em outra palavras, por meio da ação, a OAB provocou a Corte brasileira para que ela se manifeste sobre os efeitos do Acórdão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que entendeu que as leis de autoanistia, com o caso da Lei de 79, são inconstitucionais.

"A Constituição diz que o crime de tortura não pode ser anistiado. Sendo assim, acreditamos que o Estado está sendo omisso ao não cumprir com o dever de punição. Mesmo absolvendo os torturadores por considerarem que estavam anistiados pela Lei de 79 [a Lei da Anistia], acreditamos que o Supremo não pode se abster depois do posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenou o Estado brasileiro pelos crimes de tortura e desaparecimento forçado de opositores do regime", diz Cezar Britto.

Assessor jurídico da OAB Nacional, Oswaldo Ribeiro, aponta para uma outra falha no argumento dos ministros do Supremo que anistiaram os militares. "O Supremo considerou que os crimes estavam prescritos, mas o desaparecimento forçado de pessoas e a ocultação de cadáver são crimes, cuja prescrição só inicia quando identificada a vítima, o que ainda não aconteceu. Por isso, nesse quesito, eles não estariam acobertados pela prescrição", explica Oswaldo, que esteve em audiência com o relator da ação, ministro Luiz Fux, e pediu preferência na apreciação da matéria. Ainda não há previsão de quando o STF vai julgar o embargo de declaração da OAB.

O 1º de abril

revistadehistoria

Um presidente deposto e outro conduzido ao poder por homens armados marcam o início da Revolução ‘Democrática’ de 1964. Entenda os eventos que levaram à instauração da ditadura civil-militar no Brasil

João Roberto Martins Filho

 Tropas mineiras se deslocam em Brasília em 4 de abril de 1964. 
No mesmo dia, Jango fugiu para o exílio / 
Imagem: Arquivo Nacional

No dia 27 de março de 1964, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda (1914-1977), mandou a família para a casa de amigos e resolveu dormir no Palácio Guanabara. Apelidado de “O Corvo”, por seu nariz adunco e sua participação na crise que levou ao suicídio de Getulio em agosto de 1954, o conspirador via chegada a hora do acerto de contas com seus inimigos políticos. Em sua avaliação, a situação do país tinha atingido o ponto de não retorno. O sinal verde para o golpe abriu-se com a Revolta dos Marinheiros e o discurso radical do presidente João Goulart no Automóvel Clube, no dia 30 de março, para um público de sargentos e suboficiais.

A radicalização de Goulart dava ares de verdade à mensagem de que ele se rendia ao comunismo. No começo de março, com a adesão do sempre cauteloso general Castello Branco ao movimento, a relação de forças no seio das Forças Armadas começara a pender a favor do golpe. Mas ainda pairava no ar o fantasma de um confronto com o “dispositivo militar” do presidente, comandado pelo chefe da Casa Militar, general Assis Brasil. Chegou-se a uma situação na qual o que contava era a capacidade de cada lado de arregimentar legiões.

Respeitado no Exército, Castello Branco sabia que, sem o apoio da maioria dos oficiais, o movimento anti-Goulart fracassaria. No campo civil, as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade” tinham feito seu papel, permitindo dizer que o povo brasileiro chamava as Forças Armadas para salvar o país do comunismo.

Na manhã de 31 de março, o general recebeu com irritação a notícia de que a ala mineira da rebelião resolvera precipitar os acontecimentos. Carlos Luiz Guedes, comandante da Infantaria Divisionária 4, e Olympio Mourão Filho, chefe da 4ª Divisão de Infantaria, de Juiz de Fora, agiam em acordo com o governador Magalhães Pinto. Por volta das 7 horas da manhã do dia 31 de março, o general Castello Branco ligou para Magalhães pedindo que convencesse Mourão a não deslocar seus homens para o Rio de Janeiro. Não obteve sucesso. Batizada de “Coluna Tiradentes”, a tropa saiu de Juiz de Fora à tarde, sob o comando do general Antonio Carlos Muricy, atingindo a divisa com o Rio de Janeiro no final do dia.

Na ex-capital do país, o chefe da Casa Militar do governador, coronel Fontenelle, mandou bloquear as ruas de acesso ao palácio com caminhões de lixo, temendo um ataque de tropas legalistas. Na Praia de Botafogo, vista como alvo provável de um desembarque de fuzileiros navais comandados pelo almirante Aragão, inimigo público e visceral de Lacerda e partidário de Goulart, Fontenelle mandou colocar tonéis de petróleo vazios.

Atraída pelos rumores, uma pequena multidão se concentrou nos arredores do Palácio Guanabara. Sarcasticamente, o próprio Lacerda descreveu anos depois a movimentação: “Então apareciam no Guanabara uns velhinhos, uns almirantes reformados, uns generais reformadíssimos, que saíam de casa com a sua pistolinha! Mas apareceu também uma rapaziada enorme, gente para todo lado, gente que ficava nas esquinas atrás de colunas”.

Surgiram boatos de que o Corpo de Fuzileiros Navais estaria se deslocando da Ilha do Governador para atacar Lacerda. As linhas telefônicas do Palácio foram cortadas, com exceção de uma, graças à qual Lacerda conseguiu se comunicar com o governador Ademar de Barros, em São Paulo, e com a UnitedPress, no exterior. O governador de Pernambuco, Miguel Arraes, pronunciou-se em defesa do regime constitucional. No Paraná, seu colega Nei Braga anunciou apoio ao golpe.

No histórico prédio do Ministério da Guerra, no Rio, em seu gabinete da Chefia do Estado-Maior do Exército, o general Castello Branco acompanhava o desenrolar dos fatos. Caberia a ele neutralizar qualquer movimento de tropas a partir do Rio de Janeiro ou de Petrópolis para enfrentar a coluna de Mourão. Em telefonema a Lacerda, Castello procurou explicar que a questão agora era militar: São Paulo, o Nordeste e o Rio Grande do Sul precisavam se definir. Feito isso, as tropas paulistas e mineiras marchariam em diversas colunas para o Rio de Janeiro. Em nenhum outro lugar os acontecimentos foram tão decisivos.

Em São Paulo, às 22 horas, Ademar de Barros declarou apoio ao golpe. Uma hora depois, o general Amaury Kruel, chefe do II Exército, com sede na capital paulista, aderiu ao movimento, após tentar convencer Goulart a demitir ministros “comunistas”. Às 2 horas da manhã, Ademar foi de novo à televisão anunciar que as tropas do general Kruel seguiam pela Via Dutra rumo ao Rio de Janeiro, para se reunir à “Coluna Tiradentes”. Entre os paisanos, os governadores de Goiás, Mato Grosso e dos estados do Sul tinham declarado apoio ao golpe.

Como disse depois o general Cordeiro de Farias, “o Exército dormiu janguista no dia 31 e acordou revolucionário no dia 1º”. A coluna de Minas Gerais defrontou-se, na altura do Rio Paraibuna, com o batalhão de Petrópolis, chefiado por um tenente-coronel de nome Kerensky. Os tenentes de Mourão conversaram diretamente com seus camaradas vindos do estado da Guanabara, conseguindo sua adesão. Às 3h30, o marechal Odílio Denys, ex-ministro da Guerra, visitou a coluna e logrou, por telefone, convencer o coronel comandante do Regimento Sampaio a alinhar-se às legiões em revolta.

Gradualmente, a hipótese de confronto militar se extinguia. Às 7 horas, Mourão e seus comandados puseram-se de novo em movimento. Alguns oficiais da Força Aérea levantaram voo de Pirassununga (SP) com o objetivo de atacar as colunas golpistas, mas não receberam ordens para disparar. Também na Força Aérea, o esforço miúdo de doutrinação do pré-golpe mostrava resultados. Às 12 horas, o Regimento de Artilharia de Costa, ao lado do Forte de Copacabana, foi neutralizado pelo impulsivo general Montagna, que ultrapassou a assustada sentinela dando-lhe um empurrão. Do Recife, o general Justino Alves Bastos, comandante do IV Exército, anunciou seu apoio. Ações isoladas dos fuzileiros navais do almirante Aragão não conseguiram virar o jogo militar. O “almirante vermelho” acabou preso.

Jango resolveu deixar o Rio de Janeiro pouco antes das 13 horas, embarcando para Brasília. O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, foi detido no Aeroporto Santos Dumont e levado para a Escola de Comando e Estado Maior do Exército, na Urca, um dos centros nervosos do movimento. No Recife, às 20 horas, tropas do Exército prenderam o governador Miguel Arraes, conduzido a um quartel, de onde seria transferido, no dia 2, para Fernando de Noronha.

Reunidos na Cinelândia, manifestantes pró-Goulart tentaram invadir o Clube Militar, mas foram rechaçados a tiros. Instigados ao vivo pelo apresentador de rádio e de TV Flávio Cavalcanti, bandos anticomunistas atearam fogo à sede da União Nacional dos Estudantes, a UNE, na Praia do Flamengo. Em toda a cidade, tropas policiais e militares começaram a prender líderes políticos ligados a Goulart. A Faculdade Nacional de Filosofia foi atacada a tiros de metralhadora.

No Centro da cidade, uma reunião de emergência convocada pelo Comando Geral dos Trabalhadores foi dissolvida, com prisões de alguns líderes importantes. O jornal Última Hora, de Samuel Wainer, foi empastelado. Às 17 horas, oficiais da Marinha conseguiram tomar o prédio de seu ministério. Houve violentos conflitos entre manifestantes e soldados nas ruas da ex-capital, com mortos e feridos.

Às 23h30, Goulart voou para Porto Alegre, onde esperava resistir com apoio do Exército. De madrugada, com o Congresso Nacional cercado por tropas militares e sob protesto de um grupo de parlamentares, seu presidente, o senador Auro de Moura Andrade, declarou a vacância da Presidência, embora o presidente ainda estivesse em território nacional. Às 11h45 do dia 2 de abril, ele fugiu para São Borja, dali rumando para uma fazenda no Uruguai.

Por alguns dias, para dar uma aparência de legalidade ao golpe, a Presidência da República passou a ser ocupada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. Conduzido ao Planalto “em um carro literalmente coberto por homens armados”, como relatou o terceiro secretário da Embaixada Americana em Brasília, Robert Bentley, Mazzilli tomou o poder na calada da noite. Ainda no dia 2, os Estados Unidos reconheceram o novo regime. Começava o período da oficialmente chamada Revolução Democrática de 1964.

João Roberto Martins Filho é professor da Universidade Federal de São Carlos e organizador de O golpe de 1964 e o regime militar: novas perspectivas (Edufscar, 2006).



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