sexta-feira, 5 de abril de 2013

Guatemala. “Uma criança de sete anos foi violada por tantos soldados que acabou morrendo”



unisinos

Mesmo em uma sociedade endurecida pela violência como a guatemalteca, os testemunhos das mulheres da etnia Ixil, vítimas de violações em massa durante as incursões militares nas comunidades camponesas, comoveram, nesta terça-feira, todo o país, em uma nova sessão horripilante do julgamento do genocídio contra o ex-ditador Efraín Ríos Montt. Por respeito à dignidade das vítimas, a juíza Jazmín Barrios, que preside o julgamento pelas atrocidades cometidas entre 1982 e 1983, pediu à imprensa para não revelar os nomes destas mulheres, que recordaram diante da justiça o horror vivido há três décadas.

A reportagem é de José Elías e publicada no jornal espanhol El País, 02-04-2013. A tradução é do Cepat.

A primeira a declarar narrou que tudo começou quando quatro soldados bateram à porta da sua humilde casinha. Entraram à força quando entreabriu a porta. “A primeira coisa que perguntaram foi se dávamos comida aos guerrilheiros. Respondi que sequer os conhecia”, disse a testemunha. “Na casa estava a minha filha, de 17 anos, e dois de seus irmãos menores. Os soldados a desnudaram, abriram à força suas pernas e começaram a violentá-la, na presença das crianças, que choravam de medo”.

Com a voz estremecida, esta mulher relatou que, quando quis ajudar sua filha, um dos soldados lhe deu uma coronhada na boca do estômago e outra na cara. A força do golpe, acrescentou, a fez cair. Perdeu um olho. Acrescentou que sua filha foi violentada pelos quatro na cama do casal. A perguntas da defesa, acrescentou que não conseguiria reconhecer os algozes, mas que tem a certeza de que eram soldados. Em meio à agressão, as crianças puderam fugir e procurar refúgio nas montanhas.

Outra testemunha disse que um grupo de soldados chegou até sua casa em torno das 21h. Levaram-na a um lugar descampado, onde a violentaram e a deixaram abandonada, nua. Acrescentou que nessa época tinha um bebê de 30 dias, que morreu calcinado quando os militares atearam fogo na sua casa. “Nem sequer pude enterrá-lo, porque a casa estava em cinzas e eu estava com muito medo”, acrescentou.

Estes fatos se repetiram contra a população camponesa em todas as zonas nas quais o Exército suspeitava da existência de acampamentos guerrilheiros e aplicava a doutrina da terra arrasada. As violações, segundo o relatório Recuperação da Memória Histórica (Remhi), da Conferência Episcopal Guatemalteca, “incluem a morte. Foram utilizadas como instrumento de tortura a escravidão sexual, com a violação reiterada da vítima”. As estatísticas assinalam que os casos de violência sexual contra mulheres se deram em um de cada seis casos nos massacres perpetrados pelos soldados ou pelos paramilitares Patrulhas de Autodefesa Civil (PAC), voluntários utilizados como espiões e delatores de seus vizinhos.

Embora existam denúncias documentadas de 149 vítimas, acredita-se que houve bem mais, dados fatores como os sentimentos de culpa e de vergonha que acompanham estes crimes. Uma das mulheres que testemunharam pediu à juíza Jasmán Barrios que sua identidade não fosse revelada, porque nem sua família nem seu atual esposo sabiam que havia sido violentada.

Os testemunhos, muitos deles já recolhidos no relatório da Comissão de Esclarecimento Histórico, patrocinada pela ONU, ou no Remhi do bispo Juan Gerardi, adquirem uma nova dimensão quando cobram vida em mulheres que agora estão entre os 50 e os 60 anos, mas que naquela época eram apenas adolescentes.

“Se tens marido, então entre cinco e dez soldados te violentam. Se és solteira, então são 15 ou 20”, disse uma. “Meu tio ia por um caminho com sua filha e uma neta quando se depararam com uma patrulha militar. Conseguiram pegar as mulheres. A menina, de sete anos, a mataram, porque foram muitos os soldados que passaram sobre ela”.

Os requintes de crueldade deixam, literalmente, os cabelos em pé. “Alguns soldados estavam com sífilis ou gonorreia. A ordem foi que estes ficariam por último, quando os saudáveis já haviam violentado a vítima”. A isto é preciso acrescentar as gravidezes não desejadas. Todos os testemunhos concordam em assinalar os autores como membros do Exército ou das PAC.

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